Homenagem a Abelardo Pinto, patrono da cadeira 29 da ALARP
Primeira titular: Jair Ianni de Paula Eduardo
Presto esta homenagem ao meu patrono Abelado Pinto – o Piolin, através de um resumo da sua bela história, baseado no livro ‘Piolin, a trajetória iluminada do maior palhaço brasileiro’ de autoria da acadêmica Jair Yanni, (Editora COC, 2006), e que fez parte do meu discurso de posse como acadêmica na ALARP em 27 de março de 2014. Desfrutem desta linda história, com o registro de belas fotos.
Mara Senna, escritora, poeta.
O apelido Piolin, que significa ‘barbante fino’ foi dado a ele aos quatorze anos, por uns elementos espanhóis da companhia de seu pai, por ser magro e usar roupas justas. Quando se tornou palhaço adotou então o apelido.
Mesmo crescendo no circo, o pai conseguiu dar a ele, além da excelente formação circense, uma ótima escolaridade. Abelardo soube aproveitar tudo o que seu pai lhe ensinara: estudou música, tocava violino, clarineta, era domador, engolidor de espadas, exímio acrobata, contorcionista desde criança, tinha uma grande capacidade criadora e uma comicidade até então nunca vista.
O interessante é que ser palhaço nunca havia sido o seu sonho. Estudou no Colégio São Bento e mais tarde chegou a frequentar a Escola de Direito do Largo São Francisco por dois anos, e parou porque queria ser engenheiro.
Mas Piolin acabou se tornando engenheiro do sonho e do riso, quando precisou fazer uma substituição de um palhaço no circo de seu pai. Foi empurrado para o picadeiro e fez tanto sucesso que nunca mais parou, tornando-se uma legenda na arte circense brasileira.
Como palhaço, mostrava os problemas do cotidiano com muita inteligência e graça, parodiando, improvisando as situações político-sociais do momento, com toda a sua capacidade artística. Seu riso era inimitável e tinha uma garganta privilegiada para certas inflexões, interjeições e exclamações. Explorava os textos com gestos e mímicas jocosas. Tinha a noção exata da sua colocação em cena, dicção perfeita, português correto. Era inteligente e preparado, elegante, sem ser obsceno, cheio de graça e de brasilidade, começando pelo traje, que palhaços estrangeiros nunca tinham ousado. Ajudando pelo palhaço Chicharrão, seu mestre, criou uma roupa diferente, a figura de um palhaço muito brasileiro: com chapéu coco, peruca careca pela metade, nariz de bolota vermelha, boca maquiada de branco, escancarada, terno marrom, calça xadrez, enorme colarinho branco, pequena gravata borboleta, sapatões torcidos, bengala enorme, polainas brancas. Essa indumentária nunca foi mudada e até hoje é imitada. Piolin foi inclusive a grande influência de outro palhaço muito querido e famoso de Ribeirão Preto, o palhaço Biriba.
Piolin sempre lutou pela renovação do teatro brasileiro e sonhava com a criação de um circo bem nosso, livre das características europeias. Criava tipos bem nacionais e suas pantomimas ingênuas eram deliciosamente brasileiras. Encantou crianças e adultos ao longo de gerações. Nunca quis deixar o país apesar de inúmeros convites que recebeu.
Teve seu próprio circo em São Paulo, no Largo do Paissandu e outros locais, e também percorreu o país em turnês por algum tempo. Ao longo da vida, atuou sempre em dupla com os melhores palhaços da época: como Harry Queirollo, o Chicharrão, Albano Pereira, o Alcebíades (com quem completou 1000 espetáculos lá) e seu filho Fuzarca, o jovem Arrelia (Waldemar Seyssel), e Aureliano Ozon, o Camarão.
Quando o Movimento Modernista começou, o circo de Piolin passava por sua melhor fase. Marcou época em São Paulo, tendo participado de movimentos que assinalaram a vida artística paulistana como a Semana de Arte Moderna de 1922. Seu circo era frequentado pela elite intelectual e pela fina flor da literatura paulista.
Piolin era cortejado por escritores e artistas como Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Pagu, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Rual Bopp, Yan de Almeida Prado, Sérgio Miller e estrangeiros como os Blaise Cendrars, Felippo Marinetti e Dino Serge Pitgrilli e outros, que se deslumbravam com a sua genialidade e também com ele conviviam. Disse dele Mário de Andrade: “Ninguém tem culpa de Piolin ser grande deveras, e mesmo, às vezes, genial”. Disse Menotti Del Picchia: “fosse aqui tempo de cinema e Piolin não iria dever nada a um Catinflas ou a um Chaplin, os grandes de sua época.”
O presidente de São Paulo Dr. Washington Luiz não perdia os seus espetáculos às quintas feiras no Largo do Paissandu, sendo seu fã ardoroso e defensor da sua causa.
Quando não estava atuando, Piolin era tímido, sóbrio, discreto. Muito rigoroso, rígido, gostava de tudo direito e a tempo. Seu maior desejo era o de criar uma escola de circo para que essa arte fosse imortal
Passou por alguns revezes como o de ser despejado, sem justa causa, do terreno onde sua companhia ficara por 11 anos. Mas, mantinha com ele o segredo do amor e da luta e mesmo quando a arte do circo foi seriamente ameaçada pela chegada da televisão, mesmo estando já velho e com problemas cardíacos graves, continuou atuando no Mundo Maravilhoso de Piolin.
Em 1972, aos 75 anos foi homenageado por Pietro Maria Bardi na comemoração de 50 anos do Museu de Arte de São Paulo. Recebeu um colarinho de ouro e entregou sua roupa de palhaço para o MASP, que lá se encontra como lembrança da criação de moda de um palhaço brasileiro.
Um ano depois em São Paulo em 25 de janeiro de 1973 foi anunciada sua última temporada, pois seu estado de saúde se agravava. Sua derradeira aparição foi no Parque do Anhembi na grande despedida oficial caracterizada como O Maravilhoso Mundo de Piolin. Ele queria morrer no picadeiro ou num camarim, mas não conseguiu realizar o desejo. E faleceu no dia 04 de setembro de 1973, longe do circo.
É quase impossível separar hoje a história de Jair da história do Piolin. É como se eles tivessem se tornado uma só alma. Ela tinha uma enorme admiração e devoção por esse artista, e dedicou-se a resgatar e perpetuar a sua memória. O fez brilhantemente no livro já citado, Piolin – a trajetória iluminada de um palhaço brasileiro (2006), e se empenhou junto ao poder público e privado no projeto da construção de uma praça dedicada a ele. Conseguiu, mas infelizmente não chegou a ver terminada a obra.
Porém, a praça que recebeu o nome de Praça Jair Yanni – Monumento Piolin foi inaugurada em 23 de dezembro de 2013, na entrada do Ribeirão Shopping: uma obra belíssima que conta com sete murais, onde foram pintados 14 painéis em azulejos pintados a mão, com ilustrações e poemas do livro sobre Piolin, projetada e executada pelo artista plástico, arquiteto, urbanista e acadêmico da ALARP, Roberto Bérgamo (in memoriam). A seguir, poderão assistir um vídeo sobre a praça, com seus belíssimos painéis.
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